Reflexões em meio à crise política queniana de 2008
Por Phillip Oreso
Enquanto escrevo este artigo, meu país, Quênia, está passando por uma grande limpeza espiritual em nível nacional. O novo presidente eleito convocou uma sessão de oração pela paz e pela calma em todo o país, por causa da violência pós-eleição, que deixou mais de 800 pessoas mortas e mais de meio milhão de cidadãos desabrigados.
O maior objetivo desse período nacional de oração é levar os quenianos a perdoarem-se uns aos outros, a aceitar o espírito de fraternidade, seguir em frente e defender a unidade, independente da postura política, religião, tribo ou classe social.
Tal como a maioria de nós sabe, o perdão geralmente vem após o frágil tecido da paz ter sido estirado para além do limite elástico. Nesse estado de coisas, famílias, casas, nações ou indivíduos tendem a se encher de rancor e confusão, apelando para a vingança dos infratores, em nível que sequer podemos imaginar. Entretanto, em meio ao caos, à raiva reprimida e à confusão que caracterizam tais situações de ódio, é preciso voltar à sanidade e ver o que podemos fazer, no contexto do perdão total.
Como posso perdoar? Tenho, realmente, que perdoar e esquecer?
Como cristãos, temos o desafio e a responsabilidade de seguir o exemplo de Cristo, especialmente na questão do perdão. Ao assim agirmos, seremos como pilares de esperança e paz quando tais qualidades forem necessárias – em nossa família, escolas, comunidades e em nosso país.
Assim, é importante considerar as quatro faces do perdão, em nossa luta para alcançar a reconciliação.
1. Centrado no Arrependimento
“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6:12).
Arrependimento consiste em abandonar o pecado e seguir na direção de Deus, confiando nEle, amando-O e obede-cendo-Lhe. Os efeitos do pecado são óbvios e, quando o pecado aumenta, o tecido da paz logo se rompe. Quem pede perdão? Arrependimento significa mudança de coração e, em seu lugar, experimentamos a refrescante onda de alegria e amor.
Como homem nenhum é uma ilha, temos que conviver harmoniosamente com as pessoas que nos rodeiam – família, comunidades, escolas – inclusive os que estão além das fronteiras de nosso país.
2. Centrados na Autoridade de Cristo
“O Filho do homem tem sobre a terra, autoridade para perdoar pecados” (Mt 2:10).
A Bíblia é muito clara a respeito da habilidade e poder de Cristo para perdoar. Pela natureza pecaminosa que possuímos, somos manchados pelo pecado todos os dias. Da mesma maneira, somos chamados a perdoar nossos inimigos pelo que fizeram a nós. Todas as vezes que perdoamos, o Céu se alegra, porque desenvolvemos e exaltamos a ação iniciada pelo próprio Cristo.
A habilidade de Cristo de mudar nosso coração nos coloca no caminho certo para exercitar o perdão entre nós neste mundo. Isso porque os três Poderes do Céu estão disponíveis para nos ajudar a fazê-lo. Jesus tem autoridade para perdoar o mais grave pecado (Mc 2:10). Seguindo Seu exemplo, podemos fazer o mesmo por nossos irmãos e irmãs que precisam do nosso perdão.
3. Construindo Sobre a Vontade do Infrator
No contexto geral, todos somos pecadores, devido à natureza pecaminosa que possuímos (Rm 3:12). Por essa razão, necessitamos renovar nosso compromisso com Deus diariamente, para que nos conceda o Espírito Santo para nos ajudar a vencer as tentações com as quais convivemos. Como homem nenhum é uma ilha, temos que conviver harmoniosamente com os que estão ao nosso redor – família, comunidades, escolas – inclusive com aqueles que estão fora das fronteiras de nosso país.
Essa convivência pacífica acontece quando a calma é constantemente restaurada pelo exercício do perdão. Entretanto, tanto quanto possa ser desejável, continua a ser um perdão: toma lá/dá cá. Ele não pode ocorrer quando o autor não está disposto a receber a oferta.
Para que o perdão atue efetivamente, temos de ser receptivos o suficiente, permitindo que o óleo cicatrizante do arrependimento suavize nosso coração, de modo que ele reflita sobre a vontade de nos perdoar de nosso Pai celestial, mesmo quando não merecemos.
4. Ancorados no Total Perdão de Deus
“Tornará a ter compaixão de nós; pisará aos pés as nossas iniqüidades e lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar” (Mq 7:19).
Por ser onisciente, Deus é também todo perdão. Por esse motivo, prometeu que pisará os nossos pecados e esquecerá para sempre o peso de nossas iniqüidades. Thomas Brooks, pregador não conformista do século XVII, que serviu também como capelão na guerra civil inglesa, disse que “a graça salvadora faz com que o homem esteja disposto a abandonar suas luxúrias, assim como um escravo está disposto a abandonar seus trabalhos forçados, ou um prisioneiro, as masmorras, um ladrão, as grades ou um mendigo, seus trapos”.*
Na perspectiva de nossa atual situação no mundo, a graça salvadora que Deus nos deu por meio de Jesus Cristo deve manter acesa a esperança de nossa eterna libertação. O perdão total – que somente nosso Pai celestial pode dar – é possível entre nós na dimensão horizontal também. Mesmo assim, precisamos ter o desejo de perdoar, mas não sabemos exatamente como fazê-lo.
Por essa razão, necessitamos manter aberta nossa linha de comunicação entre Deus e nós. Em comunhão com Ele, devemos permitir que Seu Espírito transforme nossa mente de modo que adotemos a cultura do perdão instantâneo e incondicional, do mesmo modo como gostaríamos de ser perdoados.
Não devemos, em nosso orgulho e arrogância, exercer nossa “autoridade de cristãos” (por assim dizer) para interromper o fluxo da graça salvadora de Deus a determinadas pessoas, por causa de sua raça, cor ou tribo. Unidos em Cristo, como filhos de Deus, não podemos nos tornar desumanos de modo a impedir que outros recebam o evangelho. “Não perdoar” é um pecado que devemos evitar. Ao contrário, nossa oração deve imitar o exemplo do perdão de Cristo para com seus algozes: “Perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.”
*The Complete Works of Thomas Brooks (Obras Completas de Thomas Brooks) por Thomas Brooks, Alexander Balloch Grosart, cap. 11 (“A Cabinet of Jewels”), p. 307.
Philip Oreso é escritor autônomo em Nairóbi, Quênia.
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