quinta-feira, 9 de junho de 2011

Feridas da Alma

Sempre que uso saia, coloco meia fina. Ao ser questionada por minha filha e até por amigas do porquê, respondo que trago nos joelhos e pernas as cicatrizes de uma infância bem vivida. Apesar de achar lindos os joelhos sem cicatrizes, eu jamais trocaria os mesmos pelos meus pois minhas quedas de skate, patins, bicicletas, carrinhos de rolimãs,etc. estão contadas em cada uma daquelas cicatrizes. Elas me trazem maravilhosas recordações, não pela dor, mas pela intensidade das alegrias vividas.

Existem, no entanto, outros tipos de feridas em cada um de nós que podem estar completando décadas e não cicatrizaram. São as feridas da alma. Essas eu não gostaria de ter, mas infelizmente não depende mim. Não podemos fazer muito para evitar tais feridas, mas está em nosso poder fazer algo para cicatrizá-las. Cicatrizes não sangram, pois já passaram pelo processo de cura, mas as feridas, se continuarem abertas, sim. Elas afetam nossos atos, conceitos e relacionamentos pelo resto da vida.

Certa ocasião, ao terminar de apresentar uma palestra sobre a influencia de nossa infância nos relacionamentos futuros, fui procurada por um rapaz. Ele queria conversar e contar um pouco de sua história. Falou de sua infância sofrida, como órfão morando em casas de tios e outras pessoas conhecidas e desconhecidas. Esse período marcado por abusos de natureza física, emocional e sexual. Quando adulto, trabalhando em uma fábrica, percebeu que uma colega de trabalho lhe dispensava especial atenção. Começaram a conviver e a namorar.

Este relacionamento foi marcado por dedicação e carinho por parte dela e frieza e maus tratos por parte dele. O protagonista da história sabia que ela o amava e nunca imaginava que um dia ela daria um basta naquela situação. Mas foi exatamente isso que aconteceu.

Ao conversar comigo ele dizia que tentava de todos os meios demonstrar amor, carinho, mas a única coisa que saía de seus lábios eram palavras de humilhação. Quando eram apenas amigos, ele conseguia ser polido e educado com ela. Mas agora era muito diferente. Com os demais companheiros de trabalho ele continuava sendo uma pessoa educada, mas no relacionamento mais íntimo, parece que só amargura e raiva brotavam de seus lábios e coração. Enquanto falava, lágrimas brotavam de seus olhos e a grande pergunta: "Por que as pessoas a quem mais amamos, são as que mais maltratamos?"

Eu tentei explicar que toda pessoa que foi abusada terá o potencial de se tornar um abusador e que normalmente o abuso é cometido pelas pessoas que estão mais próximas de nós e que deveriam demonstrar mais amor. Assim, história se repete num ciclo vicioso, caso não haja um curativo que pare o sangramento e promova a cicatrização.

Como já dissemos, nossas ações, conceitos e relacionamentos são afetados pelo passado e os resultados podem ser catastróficos nos relacionamentos em geral e principalmente no casamento e na educação dos filhos.

Não podemos e não devemos nos conformar com esta situação. Quando no casamento há indiferença, agressões ou abusos em relação ao cônjuge ou aos filhos; quando há aproximações impróprias com alguém do sexo oposto, isolamento, vícios, solidão, carência emocional, etc., isto pode ser um sinal de um problema mais intenso que começou na infância. Talvez seja simplesmente uma antiga ferida que insiste em continuar sangrando.

Não quero com isso dizer que todos esses problemas tenham esta origem, mas as feridas não curadas causam todos estes tipos de situações e muitas outras. Cada caso é único e as soluções de cura variam conforme a gravidade da ferida. Algumas passam pelo pronto socorro e são resolvidas. Outras precisam permanecer na UTI por meses ou anos.

Não me deterei em detalhes em decorrência da necessidade de limitar o texto, mas deixo aqui alguns caminhos alternativos e dicas que podem ajudar no processo de cura.

FECHANDO A FERIDA:

* Dependendo da gravidade do caso, pode ser muito útil procurar um profissional: psicólogo, psiquiatra, neurologista, conselheiro, etc. Somente um profissional poderá dar orientação segura quanto ao uso de medicamentos, por exemplo.

* Assuma que algo precisa ser tratado. Coloque a questão em nível do consciente. Quando achamos que não temos nada e nossas atitudes provam o contrário, estamos sangrando e não fechamos a ferida.

* Desbloqueio da mente. Quando estamos com uma questão emocional em jogo, parece que não conseguimos raciocinar direito. É como se o cérebro estivesse bloqueado e não conseguíssemos entender nossa própria condição. Por isso é mais fácil entender e ajudar os outros do que a nós mesmos.

Explicando de forma simples, seria dizer que a parte emocional do cérebro (amígdala cortical), não conseguem se comunicar com a parte racional (córtex cerebral). Pelo bloqueio emocional, os neurônios não partem em linha reta em direção ao córtex e a amígdala, mas se desviam uns dos outros em decorrência das paredes emocionais erigidas pelos traumas do passado. Algumas atitudes que poderão aujudar muito no processo da restauração são:

- Desabafe com Deus através da oração;

- Converse com alguém de sua confiança, além do profissional que está lhe tratando.

- Escreva os seus sentimentos passados e presentes relacionados ao seu trauma, mesmo que depois você queira rasgar ou queimar para que ninguém leia.

- Chore o que precisar chorar para liberar as toxinas prejudiciais à saúde que estão travando sua mente. Mas lembre: o choro tem o seu lugar, mas não deve ser constante, para que você não se torne escravo da tristeza. Quando as lágrimas cessarem, dê um largo sorriso e louve ao Senhor. Lembre que depois de um caudaloso rio, há sempre uma margem segura.

Parece um método estranho de ajuda, mas funciona porque é como se você colocasse o problema para fora. É uma descarga de algo que está preso dentro do ser e que machuca

* Perdoe e busque ser perdoado. O perdão vem de Deus. Só Ele pode arrancar as más lembranças que tanto nos prejudicam. E, caso você tenha prejudicado alguém, é hora de ir a procura dessa pessoa e receber o seu perdão. Isso terá um efeito duplo: sobre a pessoa e sobre você. Nada melhor do que uma consciência tranqüila diante de Deus e das pessoas. Isso trará paz de espírito, um fator primordial para a cura da alma.

* Recorra ao Criador. Ele fez esta máquina maravilhosa que é você, por isso sabe como consertá-la. Ele é o socorro bem presente na angústia e você pode recorrer a Ele para que as conexões cerebrais sejam reajustadas e você tenha suas feridas curadas.

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