quarta-feira, 8 de junho de 2011

Quando o amor acaba

Retornei cansado, após uma semana de viagem a trabalho e, enquanto examinava o volume de correspondência acumulada, uma logo me chamou a atenção. De: Vanessa Para: Dr. Nicolas com muita urgência. Vanessa..., Vanessa..., logo me lembrei. Era a garota preocupada e chorosa que me havia procurado dias antes após uma programação.

De sua carta um tanto longa, destaco alguns pontos:

Prezado Dr. Nicolas:

Desde aquela vez que conversamos um tanto apressadamente, não me foi possível lhe narrar por completo todo o drama que estou vivendo. Estou indecisa, desesperada e preciso de alguma orientação. Casei-me muito nova, com apenas dezessete anos contra a vontade de meus pais e há quase nove anos estou vivendo com Jorge, meu esposo. Embora casada eu sempre tive o desejo de crescer e progredir em todos os níveis. Meu esposo, porém, se tornou um homem acomodado, caseiro, retraído e insociável. Ele se descuidou da aparência e do desejo de progredir. Atualmente apenas trabalha como ajudante geral numa empresa e se sente satisfeito em continuar assim. Eu voltei a cursar faculdade e descobri novos amigos e amigas. Ele então passou a ter muito ciúmes de mim e a fazer ameaças. Quer que eu pare de estudar e há alguns dias durante uma discussão até me agrediu.

Hoje eu não sinto mais nada por ele a não ser pena. Eu o rejeito e o recuso e sofro até em pensar em intimidades, ou que ele me toque. Isso o torna ainda mais inseguro e agressivo. Quero me separar, mas temo a reação da igreja, dos meus pais tão religiosos, e principalmente de provocar algum trauma em minha filha de apenas cinco anos. Sinto que não mais o desejo, muito embora eu tente por causa da religião. Não posso esquecer sua agressão. Quero terminar esse casamento, mas tenho medo. Estou realmente desesperada, e já cheguei a pensar que a morte seria uma boa solução. Por favor, me ajuda Dr.Nicolas.

Resposta:

Ao ler a carta de Vanessa meus pensamentos reviveram uma fábula que aprendi na infância. A de um grupo de sapos que, durante anos, viviam alegres e unidos em sua bela lagoa distante do mundo e de todos. Um dia, porém, uma forte tempestade arrastou um daqueles sapinhos para uma região nova. Ele então passou a descobrir novos lugares e indivíduos. Suas idéias a respeito do mundo mudaram e tudo se tornou mais deslumbrante. Um dia, porém, decidiu retornar a sua antiga lagoa, mas logo percebeu que ela havia perdido a beleza e o encanto e que ele não mais podia se adaptar a ela. Ele então insistiu para que seus antigos colegas aceitassem suas novas idéias e sua visão de mundo mais viva e colorida. No entanto, eles o rejeitaram, taxando-o de exaltado, desigual, rebelde, e ameaçaram matá-lo. Sem um ambiente receptivo o pobre sapinho, decepcionado, decidiu que tinha que partir, pois suas idéias e visão de mundo já não mais se adaptavam aos antigos padrões de seus companheiros.

Vanessa e Jorge ao se casarem embarcaram juntos numa viagem nova e desconhecida. Por algum tempo caminharam unidos em um mundo igual e fascinante. Vanessa prosseguiu Jorge, porém, se acomodou. Viajando sozinhos foram se tornando cada vez mais estranhos, até perceberem que não possuíam mais nenhuma afinidade um com o outro. Ao perceber a estagnação do esposo, Vanessa passou a rejeitá-lo como companheiro de viagem e isso despertou sua ira e agressividade.

É um erro pensar que o vínculo de amor e aceitação são virtudes que se mantêm perenes em uma relação. Relacionamentos são coisas vivas, por isso necessitam de doação e investimento. Quando cessa o desejo de continuar crescendo não se facilita a aceitação e a admiração. A falta de investimento pessoal gera falta de aceitação e se não existe aceitação é praticamente impossível experimentar o amor. Aquele que abre mão de crescer e de investir em si mesmo pode estar decretando seu próprio processo de rejeição. O corpo não pode sentir o desejo, quando não mais existe a aceitação na mente e no coração. Visões de mundo muito diferentes causam distanciamento. Mundos separados e desiguais não são solos férteis para o crescimento do amor. Por outro lado, todo processo de rejeição e indiferença machuca, causa tristeza e desânimo.

Para Vanessa existem caminhos e escolhas, mas estas sempre trarão empenho e sacrifícios. Ela poderia colocar um fim provisório nessa relação até que, ambos repensassem e re-avaliassem seus desejos e necessidades. Existe, também, a possibilidade de colocar um fim definitivo nessa relação perigosa, pois, ameaça e agressão são danosos para todos, principalmente para sua filha. No entanto, há também a grande possibilidade de perdão e recomeço. Por mais que uma relação esteja destruída e desgastada, ela pode ser reconstruída se ambos desejarem investir. Quando se deseja dar uma nova oportunidade para o amor nunca é tarde para perdoar. Um diálogo franco em que ambos possam expor seus motivos, medos e, acima de tudo, reconhecer erros pode ajudar nesse processo. Logicamente não existe uma saída fácil, mas qualquer escolha deve ser feita com prudência, coragem e segurança. Vanessa, no entanto, terá que escolher seu caminho. Ninguém poderá fazê-lo por ela.

Eronildes de Nícolas

Psicólogo e Pedagogo

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